Quando fazemos uma pergunta simples e objetiva, não raro a resposta obtida é “depende”. Depende, uai? Depende de um monte de coisa, depende de quando, onde e como. Se a pergunta é composta e complexa então, aí é que a coisa complica.
No último fim de semana, os venezuelanos foram perguntados, em plebiscito nacional, se queriam reformar sua constituição. Depende. Isso implicaria (dentre mil outras coisas) em proibir latifúndios e em reduzir a jornada de trabalho de 40 para 36 horas. Mas também implicaria em por fim na obrigatoriedade do rodízio no poder.
No último mês, as universidades brasileiras foram perguntadas se queriam ser expandidas, aderindo ao REUNI. Depende. Isso implicaria (por exemplo) em superar o inexpressivo número de 9 mil doutores formados por ano no país e em elevar a oferta de educação superior para pelo menos 30%(!) dos jovens. Mas também estariam abertas as possibilidades de retrocesso qualitativo, uma vez que o plano federal deixa brechas para tal.
Como se posicionar diante desses processos, essencialmente progressistas, mas enxertado de brotos de regresso?
De fato, eu não tenho resposta (não, não era só uma pergunta retórica). Mas temo que bradar “não” contra esses projetos, seja “jogar fora a criança junto com a água do banho”.
Reconheço que vivemos uma séria dificuldade de transmissão de informação – tipo uma brincadeira de “telefone sem fio” que nunca dá certo – e que nessa situação seja difícil responder “em termos”. Mas deve haver um meio de separar as coisas: isto “sim”, isso “não”.
10 comentários:
Nilo, concordo que temos que conseguir meios para atingirmos um posicionamento.
Inclusive, acredito que muitas vezes esses meios já estão ao alcance de nossas mãos, eles são a informação e a confiança.
A busca da informação vai exigir de nós um pouco de trabalho, pois requer que vejamos os dois lados da discussão. Já a confiança vem da nossa história política e do julgamento coerente das informações.
Quero dizer com isso que temos que acreditar que a balança tenderá para o lado positivo. Ou seja, temos que acreditar que a qualidade do ensino será mantida após a implantação do REUNE e que a medida de paralisação da rotação do governo seja o melhor para o país.
Alguns acreditam e outros não. Os "depende" ainda precisam de mais informação, seja a respeito da confiança, seja das medidas a serem implementadas.
Só um breve comentário a cerca do plebiscito na Venezuela...
Camarada Nilo, quando vc diz que um contraponto seria "...também implicaria em por fim na obrigatoriedade do rodízio no poder..."
Gostaria de perguntar que obrigatoriedade é essa pois a Venezuela continuou com o mesmo grupo político no poder por mais de 40 anos, até Chávez assumir em 99.
No Brasil, a mesma coisa...
Enfim essa de obrigatoriedade de rodízio não passa de piada, engodo, pra acharmos que a simples troca de uma pessoa à frente do Estado, tem relação direta com a existência ou não de democracia!
Ou seja isto jamais pode ser considerada uma "contrapartida" como vc coloca em seu texto. Defendo integralmente a proposta de reforma constitucional do Chávez!
Todo processo político se faz construindo, amadurecendo e se fortalecendo com conquistas sucessivas.
Apesar de não ser conhecedor da história venezuelana, pelo pouco que sei e pelo que você, Vlad, nos conta em seu comentário, posso inferir que lá, como é comum em nosso continente, o regime democrático é marcado por vícios e fragilidades.
A meu ver, institucionalizar o "fim do rodízio" é caminhar no sentido do enfraquecimento da democracia.
O que deve ser institucionalizado (petrificado) são as conquistas sociais, a redistribuição de renda e a participação política. A constituição deve ser clara e rígida nesses pontos, para que ninguém que chegue ao poder possa fazer o que seu projeto de país bem entenda (mesmo que isso vá contra os interesses da população), e os intrumentos de participação política devem ser igualmente sólidos para que qualquer tipo de tentativa de mudança de regras não se dê sem o apoio da sociedade.
A disputa eleitoral é prerrogativa do regime democrático, eliminar teoricamente a obrigatoriedade do rodízio é enfraquecer o regime.
A questão é que esse ponto, dentre outros 300, da reforma chavista vai de encontro aos valores democráticos e essa discussão só faz sentido se acreditamos na democracia.
Eu acredito que para se construir o socialismo não precisamos/devemos abrir mão deste regime político.
nilo, vlad...
Concordo plenamente com o posicionamento do Vlad. Não sei se acredito em uma ditadura, na verdade, acho que não temos bem o direito de desejar tal coisa, mas sei que o que chamamos de democracia para mim é algo tão irreal quanto o tal do socialismo utópico. A democracia é muito bonita, mas também só existe no papel, e olhe lá. Desde o século XVII nós ocidentais acreditamos nessa história de que precisamos ser democráticos acima de tudo, como acreditamos que a propriedade privada é o direito maior a ser preservado (lembra da história do rousseau?? A propriedade privada apareceu quando alguém disse "isso é meu" e o outro acreditou)... o que quero dizer é que não acredito que a democracia seja o bem mais precioso da nossa sociedade, nem o maior direito adquirido. Continuo acreditando que saúde, educação, moradia, soberania nacional, reforma agrária e etcss. são os direitos, bens, ou qualquer outro nome que devemos lutar pra preservar. Assim, se a reforma constitucional abala a chamada "democracia" (conceito que utilizamos hj sem grandes critérios e esquecendo que foi efetivamente fundado nos EUA para uma sociedade e uma constituição completamente distintas da nossas - América Latina ou Ibero-américa)ela preza por aquilo que o socialismo originalmente acredita.
Bem, Ju, não sei se o Vlad concorda plenamente com você, mas eu ainda acredito que a democracia é a alternativa de regime político que deve ser defendida.
Em nenhum outro regime, por mais limitadas que sejam as democracias, existe o espaço que existe na democracia para se lutar pelos direitos "que devemos lutar pra preservar". Essa luta por preservação, que concordamos que deve existir, é negada a sociedade.
O ideal democrático é um ideal não opressor e por isso é mais que um sonho americano.
Quanto a sua existência real (é bom lembrarmos que estou falando de democracia representativa) temos, dentre os países rotulados "democracias", regimes mais e menos democráticos e, provavelmente, nenhuma democracia plena; no entanto, isso não nega a possibilidade da construção dessa plenitude.
Experiências de intensa participação política, em instâncias menores, perfeitamente bem sucedidas, permitem que vislumbremos a aplicação desses valores em escalas nacionais. Não vejo porque tratar isso como utópico.
Insisto que a reforma é muito mais que este ponto polêmico, mas também insisto que para se construir o socialismo não é necessário abrir mão dos valores democráticos.
E, só mais uma insistência, se a democracia venezuelana não é lá muito democrática, isso não é motivo para uma reforma não se nortear por valores democráticos (como se norteia em outros pontos a reforma chavista).
Por falar em democracia, vi um fato curioso nesse plebiscito na Venezuela. Mais da metade da populção não foi votar. Isso infere na descrença sobre as instituições que regem esse país. Porque, para se ter um regime democrático com seus preceitos ideais, é digno que a maior parte da população contribua para este feitio.
Agora, lá a coisa ta feia, pois como vamos respeitar um chefe de estado que xinga em rede pública e ainda mais, foi mandado a se calar perante um Rei.
O Blog acabou?
E a discussão da CPMF?
Estou com Clóvis Rossi e não abro...
Juros e medo
SÃO PAULO - A verdadeira cláusula pétrea da legislação brasileira não está inscrita em nenhuma lei, em nenhum código, a rigor em nenhum lugar. Trata-se da impossibilidade real, embora não escrita, de mexer no superávit fiscal primário (receitas menos despesas, fora pagamento de juros).
É a conclusão inevitável quando se verifica que o governo preferiu aumentar impostos, apesar de o presidente ter dito o contrário, em vez de pelo menos discutir a hipótese de reduzir o superávit.
Para quem não lembra: o "lucro" do governo se destina ao sagrado pagamento dos juros devidos aos portadores de títulos públicos, que compõem uma superelite, aquela camada que o lulopetismo ama execrar da boca para fora, mas adora forrar de dinheiro.
Não é só o governo que deixou de lado essa possibilidade. Não li nem ouvi ninguém, desde que caiu a CPMF, tocar no assunto, na oposição, na academia, no jornalismo, onde seja. Se alguém tocou, minhas desculpas antecipadas.
Note bem que reduzir o superávit não é igual a dar o calote, antes que os fundamentalistas de mercado saquem do coldre essa suspeita.
É uma hipótese lógica: a derrubada da CPMF provocou redução da arrecadação. Logo, reduzir a parte da arrecadação que se destina a pagar os juros seria natural, certo? Errado, em um mundo em que a pátria financeira tem poderes extraordinários e em um país em que o vice-presidente diz que o presidente tem medo dela -ou, ao menos, de seus arautos no colunismo econômico.
Note também que diminuir o superávit não significa eliminá-lo. Um governo que manteve religiosamente o superávit elevado deveria ter crédito para cortá-lo, numa necessidade, mesmo à custa de não conseguir continuar reduzindo a proporção dívida/PIB.
Mas, quem tem medo uma vez, tem medo o resto da vida.
Olá, jayme e natália, desculpe por todo esse tempo sem responder.
Bem, vamos lá. Em primeiro lugar, quanto ao índice de abstenção na Venezuela, acho que a questão é um pouco mais complexa. Digo isso porque acredito que deve-se buscar maiores índices de participação política sempre. A longo prazo por medidas educativas, por conscientização, politização. E a curto prazo, não condeno, a obrigatoriedade do voto, como é adotada aqui no Brasil.
Agora, questionar as instituições venezuelanas só por um índice de abstenção de 45%, sendo que nas eleições presidenciais estadunidenses esse índice varia próximo ao mesmo valor e nem por isso as instituições que regem este país são desacreditadas, demostra uma declarada má fé em relação ao país latino-americano. Certo?
n. real, não, o blog não acabou. Pelo menos ainda. E junto com a CPMF um monte de coisa aconteceu nesse período de ausência, o que questiona a tese de que o Brasil só começa depois da quarta-feira de Cinzas.
Quanto ao texto: bem interessante. Confesso que eu também nem lembrei do superávit. Apontar o consenso é o grande mérito do autor. Não é só a postura do governo. É também a de quem pressiona este nesse sentido e de quem poderia questionar esta postura. Todos conformados de que lá não se mexe.
(Agora, meio pirotécnico aquele final, né? Desnecessário, hahaha.)
Abraços, e conto com vocês dois em 2008.
É Nilo, não podemos pegar o Estados Unidos para comparar. Se fosse o Estados Unidos pensado por Tocquevile tudo bem. Agora o mundo está em perigo, pois em cada continente há um louco no poder, se bem que a América Latina tem mais.
Mas, gostei da lembrança, serve pra mostrar o lado obscuro da democracia. Porém, mesmo assim acredito nela em vez de uma ditadura, seja de direita ou de esquerda.
Abração
Galera, voltei neste tema pq creio ser importante debater e não tinha tido tempo de fazer uma pergunta ao Jayme que na minha opinião "confunde" propositalmente o governo Chávez com um governo autoritário, e os outros governos progressistas ou de esquerda como de loucos.
Bom, a pergunta: Jayme, gostaria de saber quais elementos levam vc a insinuar tais questões?
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