em entrevista a Carosamigos
janeiro de 2008)
Uma das polêmicas que passaram em branco neste blog, nessas semanas sem posts, foi a greve da fome do bispo baiano. Não pretendo retomar tudo que podia ter sido assunto aqui, mas particularmente este episódio gostaria de comentar. Me desculpem se isso já deu o que tinha que dar...
Pouquíssimas pessoas têm, ao mesmo tempo, posição tomada e clareza sobre a questão da transposição do Rio São Francisco. Algumas têm só posição tomada, outras só clareza, mas na maioria dos casos não se tem nem um nem outro. É aí que me enquadro, por isso não pretendo discutir agora, nem a faceta ambiental, nem a social, nem a econômica, nem a política do problema. Mas quem tiver o que esclarecer sinta-se à vontade.
Bem, quero falar exclusivamente sobre a postura do bispo. Pela segunda vez este representante da Igreja Católica, instituição que muito contribuiu com os avanços na história recente do país, optou por uma manobra chantagista de comoção para pressionar o governo e buscar atingir seus objetivos.
Mesmo se representando a posição de um grupo, a greve adotada é uma forma de luta individual e, portanto, seria inexpressiva se não ganhasse visibilidade através do espetáculo que é a possibilidade do “governo Lula ser marcado pela morte de um trabalhador”.
Independente da luta, a organização coletiva (fora a via institucional) é a única forma aceitável de pressão e negociação. E para isso a Igreja Católica tem um enorme potencial (que já foi usado, e com sucesso), afinal quem mais no Brasil tem o poder de infiltração nas comunidades que ela tem?
A organização da sociedade é fundamental para a construção da democracia participativa e é lamentável ver um dos fortes atores do país desprezar seu potencial optando pela chantagem individual.
Depois de um longo recesso estamos voltando ao ar e, antes de tudo, deixo os votos do Voz Chinfrim de um bom 2008 para vocês e para nosso país.
São essas as nossas sinceras expectativas. De verdade. Mas a mesma sensação, de que parte dos nossos formadores de opiniões torcem para o Brasil não dar certo, mostra-se renovada e cheia de vida nesse ano que começa.
É impressionante. Basta acompanhar por uma semana os grandes portais de notícia na internet para perceber o tom de “mau olhado” com que noticiam os fatos sobre nosso país e sobre nosso continente.
Na semana passada uma fabrica indiana lançou “o carro mais barato do mundo”. Um carro de menos de R$ 5.000,00. A repercussão nos jornalões por aqui foi “se o carro mais do mundo chegasse ao país, Brasil sofreria apagão no transito”! Sinceramente? Brincadeira, não é?
A cobertura sobre os casos de febre amarela é feita com a mesma ótica. A próxima confirmação de um novo caso parece tão aguardada como o próximo título da Copa.
E a cobertura sobre a economia? Eu vi Jornal Hoje, na terça-feira, 1º de janeiro. Parecia que nos dias em que eu fiquei fora do ar, nas festas de fim de ano, o Brasil tinha quebrado. As previsões para 2008 eram terríveis (quase tanto quanto a retrospectiva). Tudo muito bem resumido e representado pelo retrato da Inflação.
Tem também a crise no setor energético mas essa, embora tenha ganhado mais visibilidade agora, essa torcida não é nenhuma novidade.
Quando fazemos uma pergunta simples e objetiva, não raro a resposta obtida é “depende”. Depende, uai? Depende de um monte de coisa, depende de quando, onde e como. Se a pergunta é composta e complexa então, aí é que a coisa complica.
No último fim de semana, os venezuelanos foram perguntados, em plebiscito nacional, se queriam reformar sua constituição. Depende. Isso implicaria (dentre mil outras coisas) em proibir latifúndios e em reduzir a jornada de trabalho de 40 para 36 horas. Mas também implicaria em por fim na obrigatoriedade do rodízio no poder.
No último mês, as universidades brasileiras foram perguntadas se queriam ser expandidas, aderindo ao REUNI. Depende. Isso implicaria (por exemplo) em superar o inexpressivo número de 9 mil doutores formados por ano no país e em elevar a oferta de educação superior para pelo menos 30%(!) dos jovens. Mas também estariam abertas as possibilidades de retrocesso qualitativo, uma vez que o plano federal deixa brechas para tal.
Como se posicionar diante desses processos, essencialmente progressistas, mas enxertado de brotos de regresso?
De fato, eu não tenho resposta (não, não era só uma pergunta retórica). Mas temo que bradar “não” contra esses projetos, seja “jogar fora a criança junto com a água do banho”.
Reconheço que vivemos uma séria dificuldade de transmissão de informação – tipo uma brincadeira de “telefone sem fio” que nunca dá certo – e que nessa situação seja difícil responder “em termos”. Mas deve haver um meio de separar as coisas: isto “sim”, isso “não”.
Há quem defenda serem estes reajustes a maior política de redistribuição de renda que este país já viu.
De fato, na presente conjuntura econômica, um reajuste de quase 100% em cinco anos, é assaz significativo e cumpre sim este objetivo.
No entanto, podemos deixar esse progresso, que é relativo, de lado por um instante para refletirmos sobre os números absolutos. O salário mínimo brasileiro em 2007 não chega a R$ 400,00. Independente dos avanços obtidos, independente da situação já ter sido pior, esse valor, além de extremamente baixo e guarda completa discrepância com os “salários máximos” que este país paga.
Mês passado, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou resultados de um estudo que compara esses números. O maior salário que o setor público paga no Brasil alcança a bagatela de R$ 28.000,00! Quando olhamos também a iniciativa privada este teto atinge os 6 dígitos, numa soma de R$ 120.000,00!
O estudo (Hierarquia e Desigualdade Salarial na Administração Pública Brasileira) lembra ainda que as menores remunerações mensais pagas, inclusive pelo setor público, são menores que um salário mínimo.
28 mil reais são mais de 70 salários! Nada, nem nobreza, nem sacrifício, nem responsabilidades, nem merecimento algum, justifica o trabalho de uma pessoas valer 70 vezes o de outra!
Os comentários sobre o relatório analisam que essa diferença é muito alta e comparam com a desigualdade média nos países desenvolvidos que gira em torno de 20 vezes. Repito, nada justifica o trabalho de uma pessoas valer 20 vezes o de outra!
Se não estamos preparados para aceitar que todos recebam igualmente por um dia de trabalho; se anos de estudo e de preparação e as responsabilidades que certos cargos exigem são justificativas para existir uma diferenciação salarial, uma desigualdade econômica; que essa diferença seja de 4 ou no máximo 5 vezes. É mais do que suficiente e já é injusto. Se alguém merece receber 20 ou 25 mil reais, ninguém merece receber menos que 5 mil.