- No começo da década de 90, o Brasil encontrava-se com a estrutura estatal grande, centralizada e um tanto ineficiente. Nada construído da noite para o dia, um processo de mais de meio século.
- Concomitantemente, ecoava aos quatro cantos do mundo o canto da sereia neoliberal, que condenava a quase toda forma de participação do Estado na economia. Qualquer coisa além de justiça e segurança era tida como sobrecarga do poder público.
- Fernando Collor e Fernando Henrique, presidentes brasileiros eleitos democraticamente, respondem pela implementação em nosso país dessa, não tão nova, forma de se pensar o Estado.
- Convencendo a opinião pública, com o discurso fácil de que tudo que esta sob o controle do governo e é ineficiente deve ser privatizado, os anos 90 assistiram ao proclamado (pelo próprio FH) fim da Era Vargas.
- O setor de telefonia é o exemplo preferido de quem gosta de encher o peito para dizer que funcionalismo público é uma “merda” (com o perdão da expressão, mas a ênfase era indispensável) e só o lucro e a competitividade trazem a eficiência. “Antes não funcionava, e agora funciona.”
- Um breve parêntese para um “alto lá!”. Com todo respeito aos que penaram para conseguir uma linha telefônica antes da privatização, não podemos, por isso, faltar com o respeito aos que penam hoje com esse sistema desavergonhado que, esse sim, não tem o menor respeito pelos seus consumidores [leia mais em Alô? Alguém aí também odeia a Telefônica? In Caros Amigos, jan/2007]. Isso, é claro, para não falar dos que não podem exercer seu “direito” de ter um telefone, já que como se afirma “hoje qualquer um pode ter”. Qualquer um que tenha como pagar caro por ele, é bom ser explícito. Não se trata de defender a ineficiência, e sim de não fechar os olhos para as não poucas falhas de uma alternativa, que não resolve. Fecha parêntese.
- O x da questão está lá atrás, no “discurso fácil”, e pode ter passado despercebido. Vender o que não é eficiente é sim uma saída. Mas não é a única.
- Pasmem, mas existe ao menos mais uma: investimento. Um órgão ou empresa estatal, quando convém, pode ser tão ou mais eficiente que uma empresa privada. Digo “mais”, pois no caso da empresa pública, que deve visar o bem público, não existe o paradoxo que há no cerne do serviço privado, que visa em primeiro lugar o lucro, em detrimento do bem público, o qual ela se propôs a vender. Pode-se ilustrar isso com o novo filme do polêmico e tendencioso, mas nem por isso menos provocador, Michael Moore. Neste o cineasta levanta a questão dos planos de saúde nos Estados Unidos. Resumidamente, e por isso correndo o risco de ser simplista, o filme mostra como os planos, como empresas privadas que são, buscando o lucro, evitam a todo custo os gastos. Que, no caso, seriam, também, com os exames e tratamentos de seus clientes, comprometendo a saúde e a vida dos consumidores, e consequentemente a eficiência do serviço oferecido.
- No Brasil a Polícia Federal e os Correios são exemplos de órgãos e empresas controlados pelo governo, que com um mínimo de atenção, melhoraram sensivelmente a qualidade dos serviços prestados à sociedade brasileira.
- As rodovias são exemplos do que os brasileiros já se convenceram de que não há outra solução, senão a privatização.
- As universidades federais são exemplos de organismos que chegaram bem perto disso. Neste caso, talvez, não tenha convencido, pela ineficiência da educação superior privada no país, que vive profundamente aquele dilema, exposto acima, entre lucro/eficiência.
- Vejam que essa lógica "privatizacionista", que não é a única saída, vale para tudo e pode ser radicalizada.
- O Judiciário e a Polícia são exemplos de braços do Estado já a muito desacreditados pelos brasileiros. O Congresso também.
sábado, 15 de setembro de 2007
Breve reflexão sobre a lógica privatizacionista
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4 comentários:
"As rodovias são exemplos do que os brasileiros já se convenceram de que não há outra solução, senão a privatização." Será?????? Estes "os brasileiros" te inclui???
Disse "os brasileiros já se convenceram", como quem diz "os brasileiros vêem Jornal Nacional"! Brincadeiras à parte, a generalização foi simplesmente para enfatizar. De qualquer forma, fica aqui minhas sinceras desculpas aos que ainda não se conformam em pagar IPVA e pedágio.
E que fique claro, eu não estou convencido.
Um abraço.
Não estou aqui para defender a privatização, mas será que os preços das ligações realmente aumentaram? Será que a privatização é mesmo esse grande "tinhoso" sem nenhuma característica que não espete?
Que a privatização é ruim para o Estado Forte já sabemos. Mas será que além da relação com o Estado, ela não trouxe nenhum avanço? Disso ainda não estou convencido.
Bem, não me lembro de ter dito que os preços das ligações aumentaram (mas vou reler o post), até porque não tenho esses dados. Mas acho que entendi seu questionamento e não vou me apegar a esse primeiro parágrafo.
Dizer que a privatização é ruim para o Estado forte é não sair do lugar. Isso os dois lados concordam - quem defende e quem condena as privatizações. A divergência está na postura em relação ao fortalecimento do Estado.
Quando se fala de privatização no Brasil, estamos falando específicamente de setores estratégicos. Telefonia, energia (hidroeletricidade, minério, petróleo), transporte, educação, saúde, comunicação e os bancos.
Há muito que se discutir sobre a legalidade e moralidade das vendas que já ocorreram e dos projetos para os "bois gordos" que ainda temos para vender. Mas creio que também não precisamos parar por aqui (podemos até voltar a este ponto, embora sinceramente, eu não tenha muito a acrescentar).
Você questiona se a privatização não trouxe avanços e se não tem um lado bom.
É óbvio que hoje, com dinheiro no bolso, você compra uma linha telefônica com entrega em dois dias. O que, pelo que sei, não acontecia antes da privatização (A.P.). Mas além de chamar a atenção para as falhas que esse sistema tem - e que por vezes nos passam despercebido, pela nossa eterna mania de pensar o "modo vigente" como o único e universal - eu pretendi discutir se as falhas do sistema A.P. são relativas a sua natureza estatal.
Acredito que não. Acredito que corrupção e ineficiência não estão implícitas no serviço público. No entanto, é isso que se prega.
Respeito, embora discordando profundamente, um cidadão liberal honesto e franco, que nesse caso deveria trazer à tona toda sua argumentação de porque o estado deve ser mínimo, gerir apenas o indispensável e deixar que as leis de mercado regulem o restante.
Mas o que se prega é esse jogo ideológico, esse sofisma: "é estatal e é ineficiente, logo privatize e será eficiente." Isso tem que ser questionado. Não pode passar dispercebido.
Eu não acredito que as privatizações brasileiras trouxeram avanços que um serviço público de qualidade não traria. Por outro lado, deram um passo na direção contrária à que julgo mais justa e includente.
O serviço público de qualidade, visa uma igualdade mínima. Num Estado mínimo, sempre haverá o diferencial que seu dinheiro pode pagar. Dependendo de quanto você ganha, varia a qualidade do seu serviço. Isso, transportado para a saúde por exemplo, é imoral! Nas outras áreas não é diferente.
Quando se opta por investir no serviço público, não tem conversa. Se o serviço é público, mas é de qualidade, tendo ou não tendo dinheiro você opta por ele. Vide nossas universidades, que embora tenha muitas falhas, ainda é o melhor ensino do país, e quem tem dinheiro investe em cursinho para estudar nelas. Paradoxalmente, quem não tem dinheiro pro cursinho, rala trabalhando de dia pra pagar a faculdade à noite.
O que defendo, é que acredito que o setor público é quem melhor pode defender o bem público. E o fato do seviço público em muitas áreas estar extremamente defasado, não muda isso.
O que deve ser feito é disputá-lo, exigir e construir as melhorias. Não tomar o caminho fácil do martelo do leilão, que ao mesmo tempo que sela a venda, certifica que quem não pode pagar não irá usufruir. E quantos podem nesse país?
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